Uso excessivo de tecnologia, Hikikomori e psicose.



Texto de Dr. Elder Lanzani Freitas - Psiquiatra e Psiquiatra Infantil - Colaborador grupo LIM 27

Muitas vezes torna-se difícil distinguir atitudes consideradas normais de atitudes que
possam ser sinais prodrômicos de algum transtorno mental dentro do contexto das
mudanças nas relações e interações sociais promovidas pelas tecnologias. Na década de
70, foi descrito no Japão o transtorno mental chamado de hikikomori (termo japonês para
retirada; termo também associado à patologia psicossocial e familiar), atribuído a
adolescentes ou jovens adultos que se afastam radicalmente do mundo e do contato com
as pessoas, vivendo isolados nos próprios quartos por meses e até anos. Apesar de ser
descrito primeiramente naquele país, há jovens vivendo em condições parecidas em outros
lugares do mundo. Contudo, ainda é difícil a identificação e caracterização dessa condição
devido ao isolamento social, à vergonha e a culpabilização da família.
Não há um consenso sobre as causas do hikikomori , porém é comumente observado
presença de traumas na infância, como bullying , exclusão social e rejeição pelos pares.
Ainda, traços de personalidade introspectiva e timidez excessiva também são descritos em
relatos de caso. É comum uma dinâmica familiar disfuncional, com rejeição ou
superproteção parental. Mal desempenho acadêmico, combinado com altas expectativas e,
às vezes, recusa escolar, também parecem ser fatores associados ao hikikomori . No
contexto sociocultural, encontramos urbanização, progresso tecnológico, globalização e uso
abusivo da Internet. Essas mudanças podem levar ao isolamento da sociedade como uma
fuga às emoções dolorosas em indivíduos predispostos. Como tal, a condição é parte de um
espectro de problemas sociais que vão desde o desengajamento dos papéis sociais
convencionais à recusa escolar e, por fim, à completa retirada social ( hikikomori ).
Acredita-se que a Internet tenha um papel central nessa situação, levando em consideração
as profundas mudanças nas formas de interação social.
Os principais sintomas associados com o hikikomori são inespecíficos e estão presentes em
uma vasta gama de transtornos mentais. Os principais sintomas incluem isolamento,
deterioração social, perda de motivação, humor disfórico e distúrbios do sono. Assim,
pode-se confundir a condição com doenças como esquizofrenia (e outros transtornos
psicóticos), depressão ou ansiedade social. Outras condições associadas ao hikikomori
incluem Síndrome avolitiva associada ao uso cannabis e dependência de Internet.
Assim como o hikikomori , a dependência da internet ainda é um diagnóstico em definição.
Ambos possuem muitas características em comum, como perda interesse a escola/trabalho,
dificuldades interação interpessoal, uso da Internet como fuga de desconforto psíquico e
prejuízos no funcionamento. Uma diferença entre hikikomori e dependência da Internet seria
a tolerância e os sintomas de abstinência no segundo e a presunção de que o prejuízo
funcional se origina do problema da dependência e não o contrário. Ainda, dependência à
Internet sugere que esse comportamento é egodistônico e leva a sofrimento; de modo
contrário, o uso de Internet no hikikomori é egossintônico e é parte da identidade do
indivíduo e o modo como ele consegue se relacionar com o mundo.
Como mencionado anteriormente, a presença de psicose é um diagnóstico diferencial
importante para o hikikomori . Sintomas comuns a ambos incluem isolamento social,
deterioração das funções relacionadas ao papel social, deterioração da higiene, perda de
motivação, ansiedade, desconfiança e irritabilidade. Porém, comportamentos esquisitos e
excêntricos, que vão além do isolamento radical, não necessariamente ocorrem no
hikikomori e outros sintomas negativos, como prejuízos cognitivos, não costumam estar
presentes. Também, a deprivação sensorial associado com a permanência excessiva em
um mesmo cômodo pode estar associada com sintomas psicóticos frustros mas não ser
necessariamente um transtorno psicótico típico com prejuízos associados.
Em relação ao tratamento do hikikomori não há estudos controlados e sistemáticos com
diretrizes específicas. De modo geral, o tratamento é multidisciplinar, envolvendo a
participação de psiquiatra, psicólogo, terapeuta ocupacional, psicopedagogo e assistente
social. Um dos objetivos é romper o isolamento físico e social, estimulando uma
participação ativa na sociedade, como retomada dos estudos e do trabalho. Ainda, é
fundamental a exclusão de comorbidades psiquiátricas. Infelizmente o tratamento costuma
ser longo, de baixa adesão e com uma baixa proporção de indivíduos que retomam
atividades sociais. Alguns fatores de ruim prognóstico incluem comorbidades psiquiátricas,
tempo de doença e falta de suporte familiar.
O uso maciço de tecnologias gera profundas mudanças nas formas de interações e
relações sociais, sendo crianças, adolescentes e jovens adultos mais suscetíveis a tais
transformações. É cada vez mais comum a descrição de casos de hikikomori em países
ocidentais, fato que aponta para a importância do tema. Ainda, sintomas dessa condição
podem estar presentes em diferentes transtornos psiquiátricos, requerendo uma avaliação
detalhada para afastar outros diagnósticos como psicose, depressão e fobia social.


Referências:
Internet Addiction Disorder – Case Files of Internet Addiction Disorder and Psychosis.
Internet addiction, Hikikomori syndrome, and the prodromal phase of psychosis

Comentários

Postagens mais visitadas