Doenças psíquicas – nossa cabeça não está separada de nosso corpo



Texto por Dr. Alexandre Loch
Nas últimas semanas pipocaram na mídia notícias sobre testes para a depressão e outros diagnósticos psiquiátricos. A informação de que exames genéticos e de imagem podem auxiliar no diagnóstico de tais doenças foi recebida com grande entusiasmo pela população. A possibilidade de podermos "enxergar" biologicamente a depressão, a ansiedade e outros, foi noticiada como uma novidade inovadora. Se pensarmos nestas descobertas como novas de uma perspectiva singular de cada resultado em si, tudo bem. Mas no fundo elas não mudam muito os paradigmas. São, na verdade, apenas a ponta de um iceberg que vem se formando há décadas.
A pergunta no consultório é recorrente: "Mas isso é psicológico ou biológico?" Segue sempre a resposta: os dois. A questão feita presume uma separação entre mente e corpo. Como se psicológico e biológico fossem mecanismos mutuamente excludentes. "Meu cérebro não está funcionando OU estou passando por muito estresse?" Ambas as coisas. Se pensarmos que é tudo uma coisa só, se pensarmos que todo pensamento, sentimento, sensação, tem sede no cérebro, que são fagulhas de eletricidade disparadas pelas redes neurais, parece óbvio. Sem cérebro não haveria pensamento, claro. Mas sempre que tal pergunta é feita percebemos que a concepção de que as coisas são separadas é frequente.
E tal entendimento é antigo. A ideia de mente separada do corpo (dualismo) pode ser verificada na Antiguidade através de registros arqueológicos. Mas é na Idade Média que ela ganha força. Quando se queimam as "bruxas" por entenderem suas alterações de comportamento como magia. Quando se exorcizam pessoas por se achar que estão possuídas pelo demônio. Alterações de comportamento na Idade Média nada tem a ver com aquele órgão que está dentro da calota craniana. São distúrbios espirituais (interessante pensarmos como ainda hoje muitas vezes se encara as coisas desse jeito).
No Renascimento a ideia dualista flutua, mas é com Descartes, no século XVII, que ganha embasamento definitivo. O "penso logo existo" presume uma independência da mente. Para existirmos basta pensarmos. A única certeza que temos é de nosso próprio pensamento. Este conceito definitivamente sedimentou a ideia de uma mente autônoma, separada do corpo.
Pode parecer uma mera discussão filosófica, mas este dualismo teve diversas consequências ruins. Não achemos que a coisa ficou restrita apenas a tacanhez da caça às bruxas da Idade Média. Ainda hoje vemos os efeitos nocivos de se separar a mente do corpo. Depressão vira preguiça. Ansiedade vira afobação, falta do que fazer. Transtorno obsessivo compulsivo vira chatice. O entendimento de uma mente separada do corpo faz com que a responsabilidade pela patologia fique do indivíduo. Por outro lado, na mesma perspectiva de separação, pensar a doença psíquica como algo estritamente biológico exime o indivíduo (e sua vida) de qualquer participação na doença. "Estou deprimido não porque meu pai morreu, mas porque estou sem serotonina". "Estou ansioso não porque pego mil coisas para fazer, mas sim porque meu cérebro não funciona".
É desta maneira que o dualismo ainda nos faz mal. Ou é culpa da pessoa, ou é culpa do corpo.
Difícil e complicado concebermos o cérebro como um órgão misto, híbrido, social/psicológico e biológico, onde é impossível traçarmos uma divisão. Tendemos a ser econômicos em nossas explicações, e com isso separamos. Mas, além disso, fere também o nosso orgulho sapienspensarmos que nossa psique está presa a um cérebro. Gostamos de imaginar que nossa mente é independente, que está para além do neurônio.
Desta forma, a divulgação na mídia de achados biológicos nos transtornos mentais tem o importante papel de trazer tais novidades ao grande público. Mas também tem o papel de martelar que não dá para separar mente e corpo; de esclarecer que todas as doenças psíquicas têm repercussões biológicas (e vice-versa); e o de reduzir idéias preconceituosas que porventura possam aparecer devido ao cruel dualismo.

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