A Lei de Kendra, quase 20 anos depois




Texto por Dr. Martinus T. Van de Bilt

Dados epidemiológicos dos Estados Unidos apontam que cerca de 25% dos portadores de transtornos psiquiátricos graves recebem tratamento pela primeira vez quando encarcerados.
Lentamente, porém, esses números começam a mudar, e isso tem ligação com um terrível crime. Em 1999, Andrew Goldstein, empurrou Kendra Webdale para a morte em uma estação do metrô de Nova Iorque. Goldstein, então com 30 anos, era portador de esquizofrenia desde a adolescência.
O crime chocou a cidade e a nação, destacando falhas profundas no cuidado aos portadores de  doentes mentais e estimulando uma onda de leis estaduais que possibilitaram  ordens judiciais para tratamento ambulatorial.
A Lei de Kendra procurou  solucionar fissuras no sistema, pelas quais o caso de Goldstein se perdeu - registros mostraram que ele havia sido hospitalizado mais de uma dúzia de vezes antes de matar Webdale, incluindo uma internação apenas seis semanas antes, tendo sido repetidamente liberado para viver sem assistência, o que o levava ao abandono do tratamento.
Pessoas que são um perigo para si ou para os outros podem ser internadas em uma enfermaria psiquiátrica. Mas aqueles que não são considerados um perigo imediato não cumprem esse padrão. Foi o caso de Goldstein antes de ele empurrar Webdale para a morte.
Sob a Lei de Kendra, indivíduos como Goldstein podem ser levados ao tribunal e ordenados a se submeterem a tratamento ambulatorial, incluindo a medicação.
Os programas de tratamento ambulatorial assistido também exigem que os sistemas estaduais de saúde priorizem os pacientes com ordens judiciais, transferindo-os para o topo das listas de espera para tratamento.
Quase 20 anos depois, 46 estados americanos têm alguma versão do programa popularizado pela Lei de Kendra, conhecida no léxico da saúde mental como “Tratamento Assistido Ambulatorial”, ou A.O.T. (“Assisted Outpatient Tratment”).
Mas se essas reformas melhoraram fundamentalmente o sistema permanece uma questão de intenso debate entre legisladores, médicos e outros especialistas em saúde mental. Tanto  os defensores quanto os críticos dizem que é subutilizado e subfinanciado.
Estudo publicado já em 2010 na Psychiatric Services sugere que  a AOT pode reduzir o risco de prisão. Prisões evitadas se traduzem em menores taxas de encarceramento para portadores de doença mental grave com alto risco de comportamento criminoso, que compõem parcela importante da população carcerária.  AOT desempenha um papel importante na melhora dos resultados do tratamento de base comunitária para portadores de doença mental grave e na redução da coerção associada à justiça criminal.
Segundo o New York Times, na semana passada,  havia 3.158 pacientes sob ordens judiciais derivadas da Lei de Kendra na cidade de Nova Iorque.
Quantos casos semelhantes não haveria em uma cidade como  São Paulo?

Mais informações: Psychiatr Serv. 2010 Oct;61(10):996-9. doi: 10.1176/ps.2010.61.10.996.
Reductions in arrest under assisted outpatient treatment in New York.



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