A esquizofrenia tem cura?
Texto de Dr.
Maurício H. Serpa
A esquizofrenia afeta cerca de 1% da população mundial e causa grande impacto na qualidade e na expectativa de vida das pessoas que acomete, além de importantes custos para a sociedade como um todo. Apesar disso, em comparação a doenças como a AIDS, que afeta uma proporção semelhante de pessoas no mundo e para a qual houve um rápido avanço de ferramentas terapêuticas desde a sua descoberta, os tratamentos para a esquizofrenia não mudaram muito desde a década de 1950, quando surgiram as primeiras medicações específicas para a doença.
Estas
medicações, conhecidas como antipsicóticos ou neurolépticos, são bastante
eficazes parar combater os sintomas de fase aguda da doença (os chamados
surtos), como as alucinações e delírios. E também são importantes para reduzir
a chance de que novos surtos ocorram. No entanto, os pacientes precisam fazer
uso destas medicações continuamente, pois só assim estão mais protegidos de voltarem
a apresentar sintomas psicóticos.
Além
disso, em linhas gerais, outros sintomas da doença, como as dificuldades de
memória e aprendizado, a falta de motivação para realizar atividades e o isolamento
social, por exemplo, não são tratados pelos antipsicóticos. Desta forma, o
melhor tratamento que temos até hoje não promove a cura da doença, mas apenas
controla os sintomas mais exuberantes da esquizofrenia. Sendo assim, ainda a
consideramos como uma doença crônica que pode ser controlada, como o diabetes
ou a asma.
Mas há esperanças, caro leitor! E é no sistema imune, também palco dos tratamentos contra o vírus HIV (para quem não sabe, AIDS significa síndrome da imunodeficiência adquirida), que se vislumbram novas possibilidades.
E este
conhecimento já tem cruzado as barreiras do mundo acadêmico e chegado à grande
mídia. Um artigo recente do jornal The New York Times (He Got Schizophrenia. He Got
Cancer. And Then He Got Cured.,
em português: Ele tinha esquizofrenia. Ele desenvolveu um câncer. E então ele
se curou.) aborda dois casos mundialmente famosos nos quais o sistema imune
demonstrou claramente estar implicado na doença (ou ao menos em parte dos casos
de esquizofrenia).
No
primeiro caso, um jovem japonês evoluiu com a remissão total da doença (cura)
após ter de fazer um transplante de medula óssea – ou seja, seu sistema imune
foi quase que completamente substituído pelo sistema do doador. No segundo, um holandês
de 67 anos com diagnóstico de leucemia passou a apresentar sintomas psicóticos
após receber um enxerto de medula óssea de seu irmão, que tinha esquizofrenia
desde o começo da idade adulta. Ou seja, alterações do sistema imune de seu
irmão possivelmente causaram a doença no paciente que o recebeu.
Estas e
muitas outras evidências científicas - como o fato de pacientes com
esquizofrenia terem aumento de auto-anticorpos, mais doenças autoimunes, mais
alterações em genes relacionados ao sistema imune, mais infecções virais
durante sua gestação etc. – têm apontado para a possibilidade de que alterações
do nosso sistema de defesa serem uma das possíveis causas da doença. Nesta
direção, alguns pesquisadores têm proposto que intervenções que
modulem/modifiquem a imunidade de pacientes com a esquizofrenia possam ser aplicadas
para tratar a doença e eventualmente curá-la. Só o tempo dirá se isto será
possível. Façamos figas!
Referências:
Miyaoka T, Wake R, Hashioka S, Hayashida M, Oh-Nishi A, Azis IA,
Izuhara M, Tsuchie K, Araki T, Arauchi R, Abdullah RA, Horiguchi J. Remission
of Psychosis in Treatment-Resistant Schizophrenia following Bone Marrow
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Al-Diwani
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