Precisamos falar sobre isso: preconceito e esquizofrenia!

Texto de Psicanalista - Viviane P.C. Setti



Uma queixa se evidencia repetidas vezes na fala das pessoas que iniciam uma psicoterapia após receberem um diagnóstico psiquiátrico: o incômodo em falar ou não sobre sua doença e tratamento, seja no trabalho, seja nas situações sociais com amigos ou mesmo com a família.
Na escuta atenta desses pacientes, muito do seu sofrimento, se expressa em um mal-estar sobre duas questões bem definidas: em primeiro lugar, com a nomeação do seu diagnóstico - Esquizofrenia e, posteriormente, com o preconceito   que sentem a partir do encontro com essa patologia. Durante as sessões relatam situações nas quais se sentem ora tratados como esquisitos, ora como incapazes. Na maioria das vezes evitam contar sobre sua doença mental e tratamento, pois temem ser rejeitados ou não ser levados a sério nos assuntos da vida diária. Muitos rótulos circulam na cultura na nomeação de alguém que sofre de esquizofrenia: louco, tantã demente, maluco, alienado, lunático, insano, anormal, estranho, esquisito. Ninguém em sã consciência quer entrar para esse rol de nomeações, nem mesmo aqueles com esquizofrenia.
A doença mental passa então a ser um estigma para essas pessoas, isto é, torna-se uma característica depreciativa. Segundo Goffman (1975), um traço considerado indigno socialmente. Subitamente, após receberem o diagnóstico de sua doença mental, o que era familiar sobre si mesmo é profundamente alterado e julgado, assim como a maneira pela qual eles eram vistos pelos outros e, passam a ser considerados inabilitados para uma aceitação social plena.
 Um dos objetivos da psicoterapia é justamente permitir que tenham um espaço de escuta e acolhimento para seu sofrimento psíquico e que possam retomar suas vidas. Mas como retomar suas vidas se, para isso, é essencial a reinserção na sociedade e esta o estigmatiza, o rejeita como membro não-pleno dessa mesma sociedade? Logo evidencia-se que essas vivências de preconceito e de discriminação com a doença mental são difíceis obstáculos nesse caminho de reinserção.
O estigma, como uma marca (visível ou não) atribuída a uma pessoa gera um preconceito que impede as pessoas de se relacionarem com os indivíduos estigmatizados, enxergando apenas o preconceito que atribuem. No caso da doença mental, há um estranhamento próprio. A loucura parece ser uma entidade que habita a pessoa e que a possui de tal modo que qualquer coisa dita ou feita que fuja do esperado pode ser percebida como “é porque é louco...”. A pessoa com esquizofrenia, devido aos sintomas positivos, se comporta de um modo que causa estranheza. É uma pessoa, portanto, parecida, mas ao mesmo tempo, estranha. Tem algo de familiar e ao mesmo tempo de assustador.
Nesse sentido, Freud, fundador da psicanálise, afirma que: “O estranho é aquela categoria do assustador que remete ao que é conhecido, de velho, e há muito tempo familiar” (Freud, 1919).
Freud nesse texto, trabalha com várias derivações e significações desse termo, mas chama atenção para um dos significados da palavra Unheimlich dado por Schelling- “ é o nome de tudo que deveria ter permanecido ... secreto e oculto mas veio à luz ” (pg.242). Isso resume a história da loucura, de início escondida e segregada da sociedade e atualmente exposta à luz, tendo como um dos instrumentos mais recentes a reforma psiquiátrica ocorrida na segunda metade do século passado.
A tese de Freud é que o estranho (que deveria permanecer oculto) é algo de familiar. Nesse sentido, a loucura do outro causa horror porque é por demais familiar à nossa própria loucura, a algo que não queremos/conseguimos aceitar em nós mesmos e fazemos questão de salientar nos outros. A falha do outro, a loucura do outro, e as dificuldades do outro, são uma boa oportunidade para nos desviarmos das nossas.
O retorno dos pacientes psiquiátricos ao convívio social implica justamente no questionamento dessa política tão comum de expurgar o mal interno banindo o mal externo (Brewer,1999). A reintrodução dos pacientes psiquiátricos no convívio social obriga cada um a se dar conta de sua própria loucura e a encontrar um outro modo de lidar com ela.
 Esse é um dos grandes desafios dos profissionais da saúde mental atualmente: pesquisar meios de mudar a relação da sociedade como um todo com os pacientes psiquiátricos, de um ponto de vista concreto e efetivo.
Que tal começarmos a falar sobre isso?

Referências Bibliográficas

Brewer MB. The psychology of prejudice: ingroup love and outgroup hate? J Social
Issues. 1999; 55(3):429-44.
Freud S. Edição Standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996.
Goffman E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar; 1975.

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