SOBRE PERDAS E LUTO
Este texto é um
trecho da tese intitulada pela Dra. Tânia Alves defendida sobre quais seriam os sintomas que
indicariam predição para um luto evoluir para luto complicado. Este trabalho
pode ser acessado online no endereço
A perda de um ente
querido, ou a privação deste, principalmente por morte, é consistentemente
descrita como um dos eventos de vida mais estressantes afetando muito o
bem-estar físico, social e psicológico (Stroebe e Stroebe, 1993).
Para Freud (em seu trabalho Luto e Melancolia, escrito em
1914, e publicado em 1917), o luto de modo geral, é a reação à perda de um ente
querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido,
como o país, a liberdade ou o ideal de alguém (p. 275).
Perda significa, literalmente, ser privado de alguém pela
morte, e está relacionada a um estado de luto. Além daquele vinculado a uma
pessoa amada, o luto pode ocorrer como resultado da perda do status, da
amputação de partes do próprio corpo, ou, entre outras, da perda de um animal
de estimação. O luto sem complicações é
visto como uma resposta normal em vista da previsibilidade de seus sintomas e
de seu curso. De início, o luto frequentemente se manifesta por um estado de
choque, podendo ser expresso como um sentimento de torpor e de completo
atordoamento. Esta aparente incapacidade de compreender o que aconteceu pode
ter curta duração; é seguida por expressões de sofrimento e desespero, como
suspiros e choros, embora na cultura ocidental seja uma caracterização de
tristeza menos comum entre os homens do que entre as mulheres. Outras
expressões físicas de dor podem ser sentimentos de fraqueza, diminuição do
apetite, perda de peso, e dificuldade para concentrar-se, respirar e falar. As
perturbações no sono podem incluir dificuldades para adormecer, despertar
durante a noite, ou de madrugada. Frequentemente ocorrem sonhos com a pessoa
falecida, e a pessoa que sonhou desperta com a sensação de desapontamento ao
descobrir que a experiência 'do encontro' não passava de um sonho (Kaplan et
al., 1997).
Num luto profundo pela perda de alguém que se ama, os traços
mentais são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo
mundo externo à medida que este não evoca aquele alguém, a perda da capacidade de
amar (perda da capacidade de adotar um novo objeto de amor, o que significa
substituir a pessoa perdida), a inibição de toda e qualquer atividade que não
esteja ligada a pensamentos sobre ele (Freud, 1974). As autorrecriminações
ocorrem com relativa frequência, embora sejam menos comuns e menos intensas no
luto normal do que no luto complicado. Geralmente, estes pensamentos
centralizam-se em torno de alguma pequena omissão ou ato cometido contra o
falecido. O fenômeno conhecido como culpa do sobrevivente ocorre em pessoas que
se sentem aliviadas porque outra pessoa morreu, e não elas próprias. O
sobrevivente pensa, com frequência, que deveria ter sido a pessoa a morrer. As
formas de negação ocorrem ao longo de todo o período de luto: frequentemente, a
pessoa enlutada pensa ou age, inadvertidamente, como se a perda não tivesse
ocorrido. Os esforços para perpetuar o relacionamento perdido são evidenciados
por investimento a objetos queridos do falecido, ou que lembrem à pessoa
enlutada aquele que partiu (objetos de ligação). O sentimento da presença do falecido pode ser intenso a ponto de se
constituir em uma ilusão ou alucinação. No luto normal, entretanto, a pessoa
reconhece a impropriedade desta percepção. Como parte daquilo que foi rotulado
como fenômenos de identificação com o morto, o enlutado pode assimilar as
qualidades, maneirismos ou características do falecido, como que para
perpertuá-las de algum modo concreto. Tal manobra pode alcançar uma expressão
potencialmente patológica, com o desenvolvimento de sintomas físicos similares
àqueles experimentados pela pessoa morta, ou sugestivos da doença pela qual a
pessoa querida morreu (Kaplan et al., 1997).
O traço mais
característico do luto não é a depressão profunda, mas episódios agudos de
sofrimento, com muita ansiedade e dor psíquica.
Os episódios de dor começam algumas horas ou dias após a perda, e
geralmente chegam a um ápice no intervalo de 5 a 14 dias. De início, são muito
frequentes e parecem ocorrer espontaneamente, mas à medida que o tempo passa tornam-se
menos frequentes, ou ocorrem somente quando evocados por algum estímulo que
traz à mente essa perda. As situações de dor trazem um desejo persistente pela
pessoa que morreu, além de preocupação com pensamentos obsessivos que somente
causam mais dor. Essa dor é o componente subjetivo e emocional da urgência em
procurar o objeto perdido. Essa 'procura' é apresentada por muitas espécies de
animais sociais. O valor desse comportamento para a sobrevivência tanto do
indivíduo quanto da espécie é óbvio, pois chorar e procurar fazem com que seja
mais provável que aquele que se foi seja recuperado (Parkers, 1998).
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