A FINITUDE COMO FATOR DE ANGÚSTIA PARA PAIS IDOSOS DE PESSOA COM ESQUIZOFRENIA


Texto da psicóloga psicoterapeuta - Alessandra de Lacerda Falca

Envelhecer é um fato inevitável da vida.
É um momento em que os filhos, já crescidos, começam a trabalhar, saem de
casa, formam a própria família e assim passam a ser mais independentes.
A questão da finitude tende a ser, naturalmente, um tema presente na vida
de grande parte daqueles que se aproximam da terceira idade.
É muito comum que pais criem expectativas de uma futura e gradativa troca
de papéis, passando de pais cuidadores para pais que, possivelmente na idade
avançada, demandarão dos cuidados desse filho. Contudo, para muitos pais de
filhos com esquizofrenia, sem tratamento e suporte adequado, essa
possibilidade de troca se torna mais remota.
Cuidar de um filho adulto com esquizofrenia pode gerar sobrecargas e
angústias diversas como isolamento social, problemas financeiros,
esgotamento emocional, as próprias limitações de saúde da terceira idade
impactando na agenda diária de cuidados desse filho e na qualidade de vida
deste idoso. Observa-se também uma sobrecarga no manejo de conflitos
familiares relativos à convivência com um filho com esquizofrenia, e no
manejo de conflitos familiares paralelos, sendo muito comum que os demais
integrantes da família (companheiro, filhos e etc) também demandem
atenção. Quando outros filhos também possuem transtornos psiquiátricos a
qualidade de vida desse idoso pode se tornar ainda mais comprometida.
O medo com relação à temática da própria morte sempre fez parte do
imaginário do indivíduo, muitas vezes sob a forma de negação. Dentro do
contexto clínico é possível observar que, para esses pais idosos de filhos com
esquizofrenia, o medo da própria morte passa a associar-se à preocupação
com a sobrevivência deste filho que, em muitos casos, ainda lhe demanda
cuidados, seja no acompanhamento das consultas, na dependência financeira
e principalmente pelo medo dos demais familiares não se comprometerem em
assumir esse papel de cuidador.
Laços sociais de sujeitos em sofrimento psíquico, tendem a ficar
enfraquecidos pela vida asilar que vivem em suas residências enquanto
buscam tratamento.
Observa-se que famílias com vínculos afetivos saudáveis tendem a manter, de
maneira organizada, uma rede de apoio mútuo, com laços sociais fortalecidos,
se comparada com famílias com vínculos frágeis e insalubres. Vínculos afetivos
saudáveis fortalecem laços sociais, que se tornam fundamentais na
manutenção da resiliência do paciente e consequentemente dos familiares.
Segundo Inogbo et. al. (2017), cuidadores com baixa escolaridade podem ser
social e economicamente desfavorecidos. Eles podem não ter capacidade
financeira para atender às exigentes necessidades de cuidado. Além disso,
menor escolaridade pode afetar negativamente o conhecimento e a
compreensão da doença pelo cuidador.

Sendo assim, famílias com baixo poder aquisitivo podem ter seus vínculos
afetivos mais fragilizados ao vivenciar esses conflitos, se comparada às demais
com melhor poder aquisitivo, devido ao limitado acesso à informação,
moradia inadequada, pouco acesso a medicações e demais tratamentos com
profissionais especializados, etc.
Ao abordarem a temática da finitude muitos pais idosos mobilizam
mecanismos de negação como forma de lidar com as incertezas do futuro.
Segundo Freud (1916), é impossível imaginar nossa própria morte e, sempre
que tentamos fazê-lo, podemos perceber que ainda estamos presentes como
espectadores. Por isso, a escola psicanalítica pôde aventurar-se a afirmar que
no fundo ninguém crê em sua própria morte, ou, dizendo a mesma coisa de
outra maneira, que no inconsciente cada um de nós está convencido de sua
própria imortalidade.
Diante da angústia da proximidade da finitude, alguns pais declaram-se
impossibilitados de morrer sem antes garantir que a execução do projeto de
bem-estar e proteção do filho esteja garantido.
Outros pais, reconhecendo os próprios limites, a sobrecarga sentida e
conscientes de suas limitações, buscam garantir a proteção do filho apenas
enquanto viverem.  Frente à sobrecarga emocional, alguns podem inclusive
expressar, de maneira ambivalente, certo alívio diante da possibilidade de
não mais saber o que acontecerá com o destino deste filho depois de sua
morte.
Recorrer à espiritualidade torna-se para estes uma forma de lidar com essa
problemática, aumentando a própria resiliência diante do imprevisível.
A forma mais recorrente de lidar com a angústia da morte tem sido projetar
em um ser superior, no Estado e na ciência o desejo de que haja proteção
para esse filho e o quanto antes a descoberta da cura pra esquizofrenia.
Os profissionais de saúde devem estar atentos quanto ao acolhimento da
angústia proveniente da sobrecarga emocional dos familiares.
A psicoterapia é fundamental nesse processo uma vez que visa fortalecer o
familiar como sujeito validando seus sentimentos (que em muitas vezes
mostram-se ambivalentes), seus desejos, identificar suas limitações, como
também dar novo significado às próprias esperanças, auxiliando na criação de
recursos internos para lidar com riscos da imprevisibilidade do futuro e o
reconhecimento dos próprios limites.

REFERÊNCIAS:
Eisenberger, N.I. Social ties and health: a social neuroscience perspective.
Current Opinion in Neurobiology 2013, 23:407–413.
FREUD, S. A transitoriedade [1916] In:______. Obras completas. Tradução e
notas de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. v.12.
Inogbo C.F, Olotu SO, James BO, Nna EO (2017) Psychiatric Disorders amongst
Caregivers who are First Degree Relatives of Patients with Schizophrenia. J
Psychiat Hum Behav Sci. 1(1) 

 
Oliveira JFP ; PY, L. . O homem, a velhice e seu apetite de infinito. In: Sueli
Souza dos Santos; Sergio Antonio Carlos. (Org.). Envelhecendo com apetite
pela vida: interlocuções psicossociais. 1ed.Petrópolis: Vozes, 2013, v. 1, p. 9-
165.
Solomon, A. (2012). Longe da árvore: pais, filhos e a busca da identidade. São
Paulo: Companhia das Letras

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