Novas evidências sobre a associação entre o uso de maconha e o desenvolvimento de Transtornos Psicóticos

Dr. Luciano Sanches


A planta Cannabis Sativa, conhecida como maconha, é cultivada e consumida há milênios pela humanidade e registros mostram que desde a antiguidade ela tem grande impacto econômico, cultural e social. Apesar de ter passado um período de restrições no século 20, nos últimos anos alguns países legalizaram o consumo e o cultivo e diversos outros estão em processo de discussão com diversos setores da sociedade para tal. Nesse processo de discussão, uma consideração importante é sobre o impacto que o consumo das substâncias presentes na planta tem sobre a saúde das pessoas, em especial o impacto que a substância de potencial alucinógeno chamada Tetra-hidrocanabinol (THC) tem sobre a saúde mental.
Existem diversos estudos mostrando associação entre o uso da Cannabis e doenças mentais, inclusive os Transtornos Psicóticos, estabelecendo seu uso como um Fator de Risco. Isso quer dizer que, quando observamos o uso da planta (em especial variantes com maior índice de THC) notamos a maior presença de doenças mentais ou então observando os pacientes que fazem uso vemos sintomas mais graves, por exemplo. Também acompanhando uma parcela da população ao longo do tempo, observamos que anos depois existem mais pessoas doentes entre os que fizeram uso frequente da substância. Apesar dessas evidências, ainda há uma discussão entre diversos autores sobre a causalidade entre o uso de maconha e o adoecimento, uma vez que dentro da área da Epidemiologia diversos critérios devem ser preenchidos e cuidados devem ser tomados antes de se definir uma relação de causalidade.
Buscando adicionar novas evidências à literatura e buscando em especial contribuir para a determinação da causalidade entre o uso de Cannabis Sativa e o desenvolvimento de Transtornos Psicóticos um grande estudo conjunto foi conduzido em diversos centros de pesquisa na Europa e em um no Brasil e seus resultados foram publicados recentemente no periódico Lancet Psychiatry. Nesse estudo foram comparados 901 pacientes e 1237 pessoas sem doenças mentais, com idade entre 18 e 64 anos, avaliados em 11 centros na Europa e 1 no Brasil. Foram estudados os padrões de uso de maconha, incluindo de alta potência (>10% THC) e baixa potência (<10% THC). Foram calculados o risco de adoecer e uma estatística chamada Fração Atribuível Populacional (FAP). A FAP mede o quanto a doença poderia ser diminuída se fosse eliminado o fator de risco.
O estudo encontrou que o uso diário de maconha estava associado com um risco 3,2 vezes maior de desenvolver um Transtorno Psicótico, sendo que quando comparado com a maconha de alta potência o risco sobe para 4,8 vezes maior. O FAP calculado indicou que, em geral, 12,2% dos casos de psicose poderiam ser prevenidos se a maconha de alta potência não fosse disponível. Quando considerado apenas Londres o valor do FAP sobe para 30,3% e em Amsterdam o valor do FAP chega a 50,3% dos casos de psicose que poderiam ser prevenidos. Com esses dados, o estudo traz a primeira evidência direta que o uso de maconha tem efeito nas taxas de incidência de psicose e o grande impacto que o uso de maconha frequente e de alta potência tem nessas taxas de incidência. Juntamente com outros dados da literatura científica, esses dados reforçam a possível relação de causalidade entre uso de maconha e adoecimento por psicose.
Dado o aumento da disponibilidade de maconha de alta potência ao redor do mundo, os autores do estudo advertem que os achados tem impacto substancial para saúde mental e para saúde pública da população. Também defendem que o público geral deve ser informado sobre os riscos de saúde associados ao uso de maconha diário e da variante de alta potência.

Fonte: https://www.thelancet.com/journals/lanpsy/article/PIIS2215-0366(19)30048-3/fulltext


Comentários

Postagens mais visitadas